20 de dezembro de 2008

Sonho de consumo

Todo final de ano, sempre tem um cronista, escritor ou jornalista, que escreve aquela famosa crítica ao dezembro insuportável e suas peculiaridades, como por exemplo: as caixinhas de natal, amigo oculto, as sucessivas confraternizações, da intolerável hipocrisia até ao excesso de família. Afinal no natal todo mundo se ama não é mesmo?

Obviamente não passa de um exercício de rabugice. E obviamente não poderia me furtar de tal exercício. Eu odeio o Natal. Eu odeio dezembro. Odeio a competição de piscas de janela. As árvores de natal nada brasileiras (algumas tem até neve) que adornam as salas de estar. Eu odeio principalmente a multidão, que nesta época do ano, transbordam os shopping centers, uma massa alucinada, que empunhando seus cartões de crédito são disputados a tapa pelos vendedores buscando o dinheirinho extra de fim de ano, em mais um trabalho temporário e precarizado.

Consumo é a palavra que me causa calafrios. Em nossa sociedade, pós-revolução industrial, o consumo tornou-se parte fundamental da vida, hoje é talvez a principal atividade social. O consumo é cada vez mais estimulado, não só pela propaganda que nos bombardeia com os possíveis prazeres do produto anunciado, mas também pelos economistas e analistas de plantão que analisam a queda ou o aumento do consumo e consequentemente a saúde da economia.Na era do consumo logo existo, indivíduos literalmente são consumidos, fazem dívidas, se matam, extrapolam seus limites. Atrás daquele sonho de consumo, daquele objeto sem o qual ele aparentemente não conseguiria viver, o individuo acaba por encobrir o vazio que o domina. Vivemos na era do TER e não do SER. Ou melhor, na era do Parece TER, típico da era dos simulacros, aonde o princípio de realidade é alterado e espetaculrizado pela mídia. No fim das contas, você compra um celular por milhões de motivos, menos o mais básico que é ligar e receber chamadas.

Mas vamos pensar com um pouco de complacência. Tudo é consumo mesmo, não é? Nosso corpo a cada dia é consumido pelo tempo, pela ditadura do irremediável. Vivemos sempre em relações de troca. No sexo sempre consumimos ou somos consumidos. Comemos ou somos comidos.Inclusive cada vez mais o sexo é vendido. Necessitamos de consumir para sobreviver, talvez o problema esteja no como viver.

È uma pena que o projeto antropofágico de Oswald e dos modernistas seja pouco lembrado e talvez tenha se tornado irrealizável. A antropofagia a meu ver obriga o individuo a consumir, digerir e regurgitar o alimento processado. Porém o consumo contemporâneo é de caráter meramente materialista, não tem “alma” ou sentido. Inclusive o artístico. Ao contrário de um livro, um sapato (ou um Best Seller), é um mero instrumento de uso que não possui qualquer qualidade de saber. Ao invés da antropofagia, o consumismo desenfreado combina melhor com a bulimia.

PS: Talvez tenha pego pesado na foto das formosas meninas. Pode parecer machismo ou sexismo. Mas é que pra mim, mostra como hoje através da publicidade cada vez mais nosso desejo é incitado.
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8 comentários:

Anônimo disse...

A questão do consumo é muito complexa, envolve mudança de subjetividade, entre outras coisas.O mais estranho porém, é que o capitalismo sustenta o consumo, sem sustentar a mão de obra produtiva e sem sustentar o meio ambiente! Desemprego em massa e aquecimento global!! Até quando?

Anônimo disse...

Sociedade de consumo num mundo em que mais de 1/3 passa fome...já dizia Maquiavel: "Ao povo que esta triste, que seja dado festa!"

Anônimo disse...

Só não esquece do meu presente de natal...

Anônimo disse...

"Paisage dans un monde post-industriale"

"eu ando sob a névoa fina antes do sol nascer. Quando ele nasce, a névoa cede lugar para o dourado, e o calor fica sufocante. No caminho não há nada além de prédios espelhados e outdors, o clima é árido. Um dia disseram-me que antigamente nos separávamos por cidades, e entre elas haviam florestas....não consigo imaginar como isso possa ser. Ando, ando, ando, não vou a lugar algum, nem pretendo ir a lugar algum....a paisagem não muda, o ar não circula, só calor, predios espelhados, outdors, prédios espelhados, outdors. As vezes uma usina desativada. A vida é assim mesmo, já estou habituado, nada de novo acontece. "

Anônimo disse...

No mundo atual, uma pessoa consome por cinco que não podem consumir!

Anônimo disse...

Grandes comentários! Esse conto é sensacional!

Saqueadores de Vento disse...

Au revoir les enfants, donde você tirou essas palavras? São suas?

Joyce, se uma pessoa consome por cinco, isso quer dizer que o consumo se equilibra?

melinaterra disse...

Òtimo post!!

Realmente, taí uma coisa q realmente me irrita sobre o natal - a competição dos pisca-piscas!! Sempre vence aquele vizinho q coloca a casa coberta de lampadinhas sonoras...delícia! sempre a perturbar seu sono com dingo bell - sino de belém (?) sei la o q!

(gosto da data, nada contra a esse clima amoroso q reina durante algumas horas, ao menos deixa o mundo escrotinho mais suportável durante o meio tempo - por mais q eu ja tenha mandado 3 irem à putaqueopariu e desejado q uma morresse asfixiada com as frutinhas do panetone, mas enfim...tenho certeza q à 0h00 meu coração estará mais reconfortado e amoroso rs)

Desejo a todos um proveitoso consumo alimentício, e cuidado com o regurgito - consumo excessivo = desperdício!! e tem mta gente morrendo de fome no mundo!