27 de março de 2009

Ligando o Ventilador

" Na peculiaridade histórica brasileira, todavia, a camada dirigente atua em nome próprio, servida dos instrumentos politicos derivados de sua posse do aparelhamento estatal. Ao receber o impacto de novas forças sociais, a categoria estamental as amacia, domestica, embotando-lhes a agressividade transformadora, para incorpora-las a valores próprios, muitas vezes mediante a adoção de uma ideologia diversa, se compatível com o esquema de domínio . (Raymundo Faoro - Donos do Poder)"


A primeira intenção deste blog era comentar as principais noticias da semana com uma abordagem diferente, mostrando quanto uma noticia pode ser direcionada dependendo da posição ideológica do veiculo de comunicação.

Nas últimas postagens, não temos tratado disso. Temos falado principalmente de cultura, de arte. Não que isto também não seja importante, para mim é até mais importante. Acontece que resolvi seguir uma dica de um grande amigo nos últimos meses. Ele me disse que eu estava muito estressado, que eu tinha que fazer que nem ele;
parar de ler jornal e ver Televisão. Aos poucos fui me desconectando e posso dizer que apesar do meu estresse ser uma condição inerente a minha existência, foi um ótimo período.

Não sei se vocês sabem, mas a mídia brasileira é uma merda! Ela é concentrada, pobre e acha que o leitor é idiota (neste ponto eu até concordo). Isso me causa tristeza, pois foi através do jornal que eu aprendi a ler. A ler mesmo, deixar de ser analfabeto funcional. Foi graças ao Verissimo, ao Jabor, Zuenir Ventura, Mauro Rasi e etc. Com o jornal passei a não temer as palavras, me informei de tudo, de política, literatura, de Pindorama, das indiossicrasias do eterno Balneário de San Sebastian.


Não dá para dizer que o jornalismo hoje não é mais como na minha época, afinal isso não tem mais do que dez anos. Mas é que hoje eu vejo o que se escondia nas entrelinhas e eu não via, por inexperiência e ingenuidade principalmente.


Pois então, mais uma vez eu digo : a mídia brasileira é uma merda! O Brasil é uma merda, e somos todos uns merdas. Tá duvidando? Vamos aos fatos.

À volta dos que não foram:


O Sarney foi eleito pela trigésima vez presidente do Senado. Para quem não sabe, esse senhor é considerado até hoje um dos mais desastrados e ridículos Presidentes do Brasil.

O Collor, sim aquele mesmo Collor! O que sofreu um Impeachment! Não só voltou através do voto popular e democrático (!) para o senado, como foi eleito por seus pares para presidir uma comissão que vai cuidar do principal projeto do governo federal, o PAC. Uma comissão cheia de dinheiro, diga-se de passagem.

Jarbas Vasconcellos, senador do PMDB, considerado homem honrado, diz que o seu partido só tem ladrão e se interessam por cargos que rendam algum. Tem alguma uma novidade ai? Será que já avisaram ao Lula? Por que acho que ele não sabe dessa.


Através da justiça, alegando irregularidade do ex governador Jackson Lago(PDT), a capitania hereditária do Maranhão voltou para as mãos da Roseana Sarney, filha do presidente do senado. Sem mais comentários.

Após a posse, o "presidente" Sarney
bota a culpa na imprensa pela má fama da casa e diz que o Senado não deve só cuidar de burocracias(Tipo votar leis), e sim discutir as "grandes questões da sociedade". É mesmo?


Olha a merda no ventilador...


São descobertas no Congresso Nacional (Senado+ Câmara dos Deputados) mais de 170 diretorias administrativas, com um custo de milhões de reais por ano. Tinha até diretor de vaga de estacionamento!

Funcionários do Congresso Nacional (sempre ele) recebem salários extras, referentes aos meses de janeiro e fevereiro. Bacana, trabalhador tem direito a receber, mas olha só,
o Congresso Nacional não estava de recesso nesses meses?


O esgoto não para de escorrer. ..


Mas quero me deter neste ponto. Porra, depois vem me falar que político é isso e aquilo. São uns escrotos, nós sabemos. Porém e esses muitos bem remunerados funcionários públicos? São o que? No mínimo cúmplices da roubalheira! Sabemos que não é só do congresso que isto ocorre. Não quero entrar no lenga lenga do discurso que no Brasil não existe noção de publico/privado, isso já sabemos. Somos corruoptos, adeptos do jeitinho da malandragem, todo mundo tira vantagem...Aqui a unica ética que tem é a do Macunaima. Hoje eu estou mais para Datena...JACOBINISMO JÀ!

O esgoto continua escorrendo...

A dona da Daslu foi presa (De novo!) e solta (de novo)...

Daniel Dantas foi considerado culpado (De novo!) e recorreu (de novo!)

A pessoa morre antes de ser julgado a última instância neste país, é a pátria do recurso!

O esgoto continua escorrendo...


Tiroteio em plena Copacabana, bala pra tudo o quanto é lado em Botafogo...Meu deus que absurdo...Porra nenhuma, isso é todo dia na Cidade de Deus, em Realengo, na Maré. Não justifica obviamente, mas só quando é na zona sul que tem essa repercussão.

E o Secretario Beltrame culpando os usuários de drogas pela a violência no Rio de Janeiro? Desviar a atenção é feio Secretario! Na Europa, por exemplo, o pessoal se droga muito mais do que aqui e ninguém tem paiol de armas em casa. Os bairros não possuem facções que se invadem mutuamente. Trabalhos e pesquisas sobre o assunto não faltam, você deveria ler-los antes de falar essas asneiras. Inclusive o que o senhor tem a dizer sobre o desmantelamento do instituto de perícia do Estado, após a possível descoberta que policiais teriam sido culpados pela execução de uma jovem na Barra da Tijuca
após sair de um show na Urca?

O esgoto continua escorrendo...


Na França três milhões de pessoas nas ruas protestando contra o desemprego, aqui 35 milhões de votos para eliminar alguém do BBB. A rede Tv usa a morte do Clodovil para subir o IBOPE, os jornais populares fazem piada com as tragédias, os jornais de classe merdia, não passam da superfície das noticias, as escolas estão abandonadas, todos se informam, mas ninguém se forma, ta tudo uma merda, acho que vou voltar para a minha alienação!


Para não dizer que não falei de flores:


Não citei de propósito o grande jornalista e colunista do O Globo(não dá pra ser perfeito né) Arthur Dapieve. Esse sim informa e forma. Com ele entre tantas descobertas, descobri Nick Drake, Leonard Cohen, Jeff Buckley John Fante, descobri que alguém que sente o calor infernal desta provincia tanto quanto eu. Sua coluna desta sexta feira 27 de março sobre o show do Radiohead( voltamos a arte) é emocionante. LEIAM!! Ele escreveu o que eu escreveria se tivesse o seu talento. Até tentei dizer algo parecido ai embaixo, mais ele fez melhor.

22 de março de 2009

Síntese dissonante

O dia 20 de março de 2009 ficará na memória de muitos, como um dos dias inesquecíveis de suas vidas. Neste dia o Brasil viu pela primeira vez ao vivo, após 15 anos de espera, o show de uma das bandas mais importantes da história da música. As dez e cinqüenta da noite o Radiohead abriu com 15 step seu desfile de talento, som, fúria, melancolia e emoção.

O show foi perfeito, todos nos sabíamos que seria antes mesmo de começar. Não havia a menor possibilidade de decepção. Obviamente que algumas musicas "indispensáveis" faltaram. São sete álbuns de sucesso, não é possível encaixar todas. Sempre fica aquele gostinho de quero mais, apesar do cansaço visível após duas horas e meia de euforia e tensão. O final foi apoteótico (com trocadilho e tudo) com Creep, e rapidamente a comoção deu lugar ao vazio.

O buraco negro que se formou em meu peito foi tão grande que não soube na hora dar conta do que estava sentindo. Sabia que tinha faltado algo? Mas o que? Faltou Fake Plastic, faltou Where i End you Begin. Mas não eram as músicas que faltaram. Algo não aconteceu. Criar altas expectativas sempre é uma merda. A realidade nunca se compara a fantasia. Eu tentei durante toda a semana não criar expectativas.Impossível, era o show da minha vida.Foi o show da minha vida! Então o Radiohead decepcionou? Claro que não, foram perfeitos. O Tom estava empolgado. O Colin se divertiu o show todo, Jonny alucinado como sempre. O Ed O´brian se sentindo em casa, "bom pra caralho" ele disse. E o Phil Selway tranqüilo como sempre. Show irretocável. Quem decepcionou fui eu. Sou da turma do Dapieve que disse certa vez "sou do tipo de sujeito tomado pela angústia até na hora de comer pizza no domingo à noite".

Após o começo alucinante, Airbag, There There, vem a primeira surpresa. Karma Police! Centenas de gritos de puta que pariu ecoam na platéia e eu ponho a mão na cabeça. Ali começou, era aquilo que eu queria. Eu queria me perder no show do Radiohead, eu queria deixar de existir, mas eu estava ali, ainda desconectado, não estava totalmente entregue como imaginava que estaria, não chorei como imaginava que choraria, talvez com My Iron Lung? Confesso que quando tocou também de forma surpreendente How to Disappier Completely a garganta deu um nó. Talvez tenha sido o cansaço ou a dor causados pela espera, devido à ridícula idéia de festival. Talvez a adrenalina,talvez apenas a incredulidade de ver os caras ali, materializados, num espetáculo de luzes coloridas. Talvez esteja exagerando, em Idioteque pulei feito louco. A companhia era ótima e animada apesar de uma falta irreparável (você faz muita falta!). Alguma coisa não aconteceu, faltou.

O In Rainbows é a síntese do Radiohead. É o Radiohead descortinando o que será esse começo de século 21. Neste cd as músicas são redondas, uma obra fechada, perfeita. Porém eu não alcancei ainda o In Rainbows. Perdoe-me Tom, mas eu ainda não estou pronto. Eu ainda preciso da melancolia do Bends, da fúria do OK Computer, da demência do KID A / Amnesiac, e principalmente da escuridão do Hail to the Thief. Não estou preparado para o cinismo dançante do In Rainbows. Para o swing de Reckoner, para a leveza de Faust Arp, e a poesia de Weird Fishes. Estamos em tempos diferentes, talvez meu show ideal fosse o de 2003. O In Rainbows,é o disco mais primaveril do Radiohead. Ainda está lá a eterna inadequação com a existência que vem desde Creep. Ainda está lá a critica política e toda a genialidade de uma banda que sempre se supera. Porém para este pobre escriba angustiado, falta a fúria que ele tanto precisa...Falta um pouco da guitarra visceral do Jonny, rasgando meu corpo e minha mente. O que faltou foi isso, a ligação visceral entre o espectador e a banda. Quando tocou You and Whose Army ela até apareceu apesar da inacreditável apatia da platéia que me cercava.

Querido Tom, o lobo ainda espreita a minha porta, e todo à noite ele me chama. Não posso fugir disso. Eduardo Marciano me ensinou a nunca colher o fruto ainda verde , pois ele apodrecerá na sua mão. Tenho certeza que um dia nos veremos de novo, você ainda estará no auge, nós estaremos conectados.Eu sairei dos trilhos como você descreve em Nude , eu poderei enfim me perder, me consumir. Não terei grandes idéias, sem surpresas e sem alarmes. Sem artigos, sem expectativas, somente música. Até lá...

PS: Obrigado pelo melhor show da minha vida !

20 de março de 2009

HOJE ...

Aguenta coração...









18 de março de 2009

A Geração pop e o drama do envelhecimento

"Privado da memória, o homem torna-se prisioneiro de uma existência ilusória; ao ficar à margem do tempo, ele é incapaz de compreender os elos que o ligam ao mundo exterior - em outras palavras, vê-se condenado à loucura." (Andrei Tarkovski- Esculpir o Tempo)


Em 2004, Sir Paul McCartney lançou "Chaos and Creation in the Backyard", sem dúvida, o melhor álbum de sua carreira solo, e atrevo-me a dizer, melhor do que alguns dos primeiros discos dos Beatles, como por exemplo o 'For Sale". Neste disco, toda genialidade de Paul se faz presente nas 13 faixas e o essencial é que soa atual sem ter nada de inovador, ou seja, é um disco carregado de identidade que soa como um disco dos Beatles. Paul fez um disco brilhante sendo quem ele é, ou seja, um senhor de mais de sessenta anos, que produziu uma obra genial ao longo de sua carreira e que por ser tão verdadeira, tornou-se atemporal.

Porém, a minha geração, que cresceu nos anos oitenta e noventa, a chamada "geração pop" sofre com o problema do envelhecimento. Os ícones da geração pop são evidentes: Madonna e Michael Jackson. E o que há em comum entre eles? Ambos não conseguem realmente aceitar o fato de que envelheceram. Madonna vive atrás de plásticas. Tem pra lá dos quarenta e se comporta como uma garota de 18. Ela tem tudo no palco, menos maturidade. Será que a rainha do pop conseguiria em 2020 lançar um álbum inédito, com sonoridade contemporânea, porém soando como Like a Virgin? Impossível.

A falta de identidade em Madonna é evidente, pois sua música não é substancial, porque não pode assumir uma identidade fixa, não pode assumir uma identidade de um ser no tempo, que envelhece, morre e apodrece! Madonna tem que estar sempre fugindo da realidade, inovando continuamente para tentar burlar um monstro invencível...o tempo! Basta ouvir a coletânea "Imaculate" nos dias de hoje e perceber o quão obsoleto são os sintetizadores e a sua estética musical. No show da maracanã, ela teve que mudar todos os arranjos das músicas antigas para torna-las mais palatáveis ao público. Falta identidade e falta memória.Madonna é a metáfora da minha geração. Uma geração que não sabe morrer porque não é ensinada a envelhecer.

Michael Jackson virou um monstro, um personagem do Planeta dos Macacos.Enlouqueceu na paranóia da eterna juventude e foi a bancarrota com a sua Terra do Nunca.Ambos representam a ostentação do capitalismo na sua fase hiperreal, do claustro no presente perpétuo, o espetáculo pelo espetáculo que não pode envelhecer...A verdadeira sociedade do simulacro. "Eles( MJ e Madonna) somos nós!" Pessoas que perderam o trem da história.O homem contemporâneo vive para o hoje, no hedonismo radical do consumo, sem memória afetiva e sem planos auspiciosos para o futuro.

Colecionadores de sensações.A morte não faz sentido para nós que compramos o selo da eterna juventude, porém, o sétimo selo quando aberto....Às vezes me pego pensando como a minha geração que hoje tem quase trinta anos se comportará quando tiver chegando perto da velhice?

O século XXI com certeza será da biotecnologia, da neurociência, e de todos os ramos que pesquisam formas de tornar os humanos super-humanos. Viveremos mais, seremos mais jovens fisicamente e mentalmente, porém, continuaremos sendo seres biológicos que tem um tempo de vida limitado e chegaremos esticados na velhice sem saber o que fazer com tudo isso.Entra em cena mais uma ferida narcísea para nós humanos, fracos e mortais. Além de não estarmos no centro do mundo, de sermos frutos de uma evolução animal tendo o macaco como ancestral e de nosso ego não reinar nem mesmo na sua própria casa, agora teremos que lidar com uma ciência que tudo explica e para pessoas que não sabem envelhecer demonstra que não somos nada além de cadeias de carbono, moléculas, células, átomos, etc...Eis que a indiferença pós-moderna encontra seu maior vilão: A indiferença do tempo!

Para não perder o costume e ilustrar o post: Faltam 2 dias

17 de março de 2009

Delírios

Tenho ouvido muitas besteiras sobre as soluções, consequências e outros problemas a respeito da crise atual do capital. Por parte dos analistas de mercado, apóstolos do neoliberalismo, aquela visão de que para curar uma ressaca só com mais bebida, ou seja, mais desregulamentação, corte no déficit público, etc...como se não fosse justamente a ação dos mercados desregulados que tivesse provocado tudo isso. Por parte dos keynesianos a solução seria o controle do mercado pelo estado através de novas regulamentações e um novo Breton Woods. Como se fosse possível um novo keynesianismo numa era pós-industrial e como se os EUA de Obama fossem abrir mão do controle de instituições como FMI, BM, etc...
Tenho ouvido das propagandas de banco, de carro, da boca de pessoas com muita vontade de ação e pouco cérebro que a solução para todos os problemas é a consciência ambiental, plantar árvores,etc... Será que irão parar de produzir carros novos a cada mês? Será que a China vai diminuir sua produção industrial?
E a última que ouvi foi que a AIG colocou mais de 160 milhões de dólares para dar gratificações aos seus executivos. Dinheiro do povo. Dinheiro público! Alguém acredita que deles, pois não se enganem, eles pertecem a mesma classe, possam vir soluções?

O capital não é nada mais do que uma relação vazia. Uma troca. Sem moral e ética. Desterritorialização pura, nos termos de Deleuze. Inexoravelmente expansivo nos termos de István Meszáros. Durante muito tempo o capitalismo entrou em cena para domar o monstro, ou seja, o avanço amoral do capital. Porém, há três décadas resolveram soltar de vez o monstro, e em pouco tempo os estragos foram incalculáveis. Milhões de refugiados, mais de bilhão abaixo da linha de pobreza, guerras civis, golpes de estado, desemprego estrutural, devastação florestal e climática, etc...
Por tanto, fica difícil aceitar que a crise se resolve com uma simples restituição da confiança. Muitos direitistas acusam os comunistas e anarquistas de advogarem por uma causa abstrata, por falarem pelo povo, porém estando distante desse povo. Engraçado é ler, ouvir, assistir a classe média, os investidores e economistas falarem de confiança, de mercado de ações, de acesso democrático ao mercado. Pra quem eles estão falando? A quem pertece o mercado? Seria para o analfabeto que mora em manguinhos? Ou seria para o guri que faz malabaris no sinal? O que falta em muitos casos é saber do que se fala.

15 de março de 2009

5 Dias...

A primeira idéia era escrever um texto sobre a vinda do radiohead, mas após ler a excelente retrospectiva do screamyell , decidimos ficar só nos clipes mesmo. Falar o que? Afinal é a melhor banda do mundo...faltam 5 dias...


13 de março de 2009

Por você, por mim.

Listas são sempre polêmicas e por isso mesmo irresistíveis. Ele está entre meus cinco preferidos de poetas brasileiros. Ao lado Drummond, Vinicius, João Cabral e Augusto dos Anjos. Sempre na Vanguarda, foi o primeiro a dela se desligar. Escolheu a eternidade. Figura correta, de posições marcantes. Poeta, artista plástico, critico de arte, jornalista. Seu nome? José Ribamar Ferreira, mais conhecido por Ferreira Gullar.

Poema homenagem, escrito pelo nosso amigo Nino:



Por você, por mim


Hoje, morreu meu poeta preferido( O Homem)


Não era Vinícius, Não era Drummond.

Tampouco era o Chico.

Homem Comum,

Do Nordeste veio a migrar

Sua mãe o chamava Ribamar,

Cá entre nós, às vezes o chamo só por Gullar.Que

quando mais moço,aprendeu o Marxismo

Seu maior sonho

Era o fim do imperialismo

Mais tarde, do marxismo desacreditou.

o poeta preferido ,do meu poeta preferido

acho que era um tal de

Rimbaud

De Rimbaud,nada mais irei falar

Minha intenção, é falar apenas de Gullar

que nasceu em São Luís do Maranhão em 10 de setembro de 30

em plena “revolução”.

Em 49, ainda jovem, escreve “Um pouco acima do chão”.

Livro do qual nunca li, mas sei por Gullar, que de 100 crianças 78 morrem no Piauí

Que duro retrato da realidade que de 100 crianças 78 morrem antes de completar o anos de idade

De 100,sobram só 22

Não sei se até os 18

Terão o feijão com arroz

(The Sky above us)

Diarréia, é

“ Uma bomba suja e mansa que elimina sem barulho vários milhões de crianças”

Poesia subversiva, rara,que não comove nem o pau-de-arara

Poesia subversiva luta armada?

“Você é mais bonita que uma bola prateada”,

“que o mar azul-zafira da República Dominicana”

“e quase tão bonita quanto a Revolução Cubana”

Gullar lutou, lutou pela igualdade.

todas as coisas que falava

estão na cidade.

“O homem está na cidade

como uma coisa está em outra

e a cidade está no homem

que está em outra cidade”

não há em sua poesia,

a esperada neutralidade

“Como ser neutro se acabou de chover e a terra cheira e o asfalto cheira,

e as árvores estão lavadas com suas folhas em seus galhos”

“mas quem,dentre as hostes celestes,me reconheceria pelo caralho?”

A Vida Bate, a vida passa,as vezes sem se perceber

Em 1982 surge os Sessenta anos do PCB.Em 1922,

Cantaram e fundaram o partido,

Astrojildo

e mais 8, e isto em 22

Nequete,um dos 8

citava Lênin a 3 por 2.

“Como dois e dois são quatro

sei que a vida vale a pena

embora o pão seja caro

e a liberdade pequena”.Pequena,pequenina

bem miúda

Tão pequena que é impossível sua

Gravura

Somos

Muitas Vozes

Barulhos

Somos

Muitas Vozes

Somos

É preciso lutar.Há bem e mal?

Há na vida, uma Questão, meramente Pessoal?

Nós, Latino-Americanos

“somos todos irmãos

não porque tenhamos o mesmo berço

o mesmo sobrenome

temos o mesmo trajeto de sanha e fome”

Quem coloca a bomba suja no corpo deste homem?

Gullar, Gullar

. escrevo por você,por mim

não escrevo por decreto

Gullar Gullar

Teoria do não-objeto

Gullar Gullar

O poeta do existir,

do poema sujo

“tua gengiva igual a tua bucetinha que parecia sorrir entre as

folhas de banana entre cheiros de flor e bosta de porco aberta

como uma boca do corpo(não como tua boca de palavras)”

mas como era o nome dela?

“Perdeu-se na carne fria

perdeu-se na confusão de tanta noite e tanto dia

perdeu-se na profusão das coisas acontecidas

constelações de alfabeto

noites escritas a giz

pastilhas de aniversário

domingos de futebol”

Gullar ,Gullar

Gullar

O poeta do cotidiano

Tudo bem claro

Nunca atrás dos panos

Gullar Gullar

Paulo Roberto Parreiras Que Não Passou No Vestibular

História De Um Valente

Peleja De Zé Molesta Com Tio Sam

Ferreira Gullar,

Que eu leio até de manhã!

A alegria, Ao rés-do chão,agora quis descer,e não havia chão

Pra ti, Ribamar, não há mais nada, nem a vida dura e amarga

Nem a vida

Bela

nem Helena nem Vera

nem Nara nem Gabriela

nem colo de menina

nem cheiro de tangerina

Tampouco a Tereza e a Maria

Na Vertigem Do Dia

Onde Escondeste o Verde Clarão dos Dias?

Ribamar já se foi

Com ele várias lembranças

A tarde em Buenos Aires,São Luís e sua infância

Quem tomou deste menino o seu rosto de criança?

Ribamar já se foi

Não pode nos dizer

Sobre este assunto

Jamais vamos saber

Ribamar está

Morto “a vida só consome o que a alimenta”

como todos um dia vamos estar

mas você está vivo

ainda pode mergulhar

neste universo de açucena

que venho cá te mostrar

Ribamar está morto (uma pena), mas,

Viva Ferreira Gullar!

Nino Ferreira

10 de março de 2009

9 de março de 2009

Tombo de Bêbado (4)

EXTRA, EXTRA, EXTRA: A bolsa de Tókio caiu 10 %. O índice Nasdaq despencou 50 %, as bolsas européias em pânico totalizaram ao fim do dia uma queda de 100% .A Bovespa, como não podia deixar de ser, segui o movimento de queda e caiu 300 %.

Dados de um Instituto qualquer norte-americano registram um aumento de 20 % nas demissões no mês de fevereiro. Já são mais de um milhão de trabalhadores demitidos! No Brasil, analistas fazem previsões de um crescimento menor do que no ano passado. A Europa anuncia cortes de investimentos e o FMI pede ajuda aos governos.

Esse é o tom do noticiário.Ofoco é a crise que assola a economia mundial desde o segundo semestre de 2008. Recessão, retração, pânico, humor, medo, desemprego. São as palavras que dominam no vocabulário da crise.

O assunto é direto e reto. A quem interessa o tom apocalíptico da cobertura da crise? Até que ponto, a reprodução diária da tragédia, não provoca ainda mais pânico?

Não há duvida que a crise é grave. Provavelmente a pior desde a crise de 29. Porem também não há duvidas de que ela vai passar. Afinal é disso que ele se alimenta, o capital sempre se adapta. Inclusive muitas empresas estão aproveitando a crise, usando-a como álibi para projetos de “reestruturação”(isso ninguém anuncia?).

Os “Anticapitalistas” não formularam ainda uma estratégia, uma alternativa ao seu domínio. As demissões continuarão até o ponto necessário. Vidas serão destruídas como sempre ocorreu. Outras serão erguidas.O lucro como sempre, cada vez mais se concentrará. O prejuízo como sempre, cada vez mais se socializará. Pequenas mudanças ocorrerão. Os Estados Nacionais mais uma vez fortes. Mais uma vez dominado por elites, mais uma vez, servindo de muleta, para um sistema momentaneamente manco, mas em breve de pé.

Já que o assunto é crise, por que não analisar, analiticamente suas causas? Por que não buscar novos modelos? O que vemos na mídia, tanto a brasileira como a internacional é a crise elevada a condição de espetáculo.

Na minha opinião uma estratégia extremamente danosa. O espetáculo, os excessos dramáticos, tanto podem causar descrença quanto à severidade da situação como podem ajudar piorar ainda mais, como, por exemplo, criando uma onda de pânico que imobilize o consumidor. O pior é, em plena era da informação, vermos ainda que o véu da ignorância persiste. A alienação, a superficialidade dos fatos apurados, ajuda a criar uma cortina de fumaça, que esconde os verdadeiros culpados, as verdadeiras causas e conseqüências de uma crise econômica deste porte.

Para uma análise mais aprofundada da crise:
http://www.cartamaior.com.br

7 de março de 2009

Sofri um Assalto Inusitado

Tem coisas que só acontecem comigo e com o botafogo! Estava eu, numa manhã bem quente e nenhum pouco agradável de primavera carioca, saindo da casa de um amigo na barra da tijuca pela manhã, quando fui abordado por um cidadão com uma mochila, em frente a uma banca de jornal. Ele encosta me encarando nos olhos e diz:
-Aí parceiro, a situação ta difícil, to sem grana e sei que você tem um aí pra me fortalecer!
Eu, imediatamente pensei: "Pqp! Outra vez comigo", e disse:
-Po parceiro, ta difícil pra todo mundo, mas vou ver se posso te dar uma ajudazinha.
Nesses momentos eu sempre fico tranquilo e tentei levar o cara na conversa enquanto pegava minha carteira. Sinceramente eu não sabia quanto tinha de dinehiro. Quando a tirei da minha mochila, abri bem discretamente e vi que só tinha duas notas de vinte. Pensei: "Me ferrei pois ou eu dava uma de vinte ou não daria nada. Continuei tentando enrolar.
-Então, eu sei que está difícil pra você mas pra mim também não está fácil, estou indo pro trabalho e to com pouco dinheiro.
E ele perdendo a paciência disse:
-"Eu sei que você tem dinheiro aí, pode me fortalecer, to pedindo numa boa, podia estar roubando!"
(Como se não estivesse....afinal, ele estava ameaçando com a mochila, como se nela tivesse arma.)
Enfim, vendo que o imbroglio estava feito, que não havia como sair ileso, dei humildemente uma das notas de vinte. O camarada pegou e eu pensei que estava acabado. Porém logo percebi que estava enganado.
-"Aí irmãozinho, eu vi mais uma notinha de vinte nessa carteira. Pode passar! Manda logo!"
Bom, o que era um assalto implícito virou explícito. Ok, mais uma vez assaltado, pensei.
-"Ok!Te dou mais esses vinte, mas tem uma coisa: agora quem está numa roubada sou eu! Você levou todo meu dinheiro. Pode me arrumar pelo menos um trocado para o ônibus?
O "irmãozinho"primeiramente colocou mais vinte no bolso, pensou, coçou a cabeça, procurou nos bolsos e acabou por me entregar uma nota muito surrada de cinco reais. Eu não tinha mais nada a fazer, a não ser aceitar e tomar caminho de casa.
Só para informação, eu estava indo comprar ingresso para um show, mas teria que ir para casa por causa do ocorrido.
Enfim, o cara apertou minha mão e seguiu seu rumo e eu atravessei a avenida das américas toda para pegar meu ônibus puto da vida por ter sido assaltado de uma maneira tão idiota em plena manhã.
Bom, estava parado esperando o ônibus, quando vejo um muleque atravessando a rua correndo em minha direção e já gritando:
-Ae, você que foi assaltado do ouro lado né?!
Eu pensei: "fala mais baixo porque todos estão olhando! E disse que sim era eu.
-Vem comigo, a guarda municipal prendeu o cara e quer te entregar o dinheiro.
Voltei tudo outra vez. Chegando lá o cara estava algemado, chorando copiosamnete. Quando me viu pediu desculpas, disse que fez aquilo porque estava desesperado. Eu realmente tive pena do homem. Nesse instante já tinha se formado a aglomeração de curiosos e que começavam a dar suas opiniões.
-"Prende mesmo!"
-Leva esse fdp para onde merece"
E outras coisas do gênero.
O guarda municipal, bastante competente, diga-se de passagem, fez todo procedimento padrão, sem se influenciar pelas várias opiniões e sem desrespeitar o acusado, que continuava chorando e se dizendo inocente. Até que ele me perguntou se o acusado tinha me ameaçado.
Bom, eu disse, ele não mostrou arma em nenhum momento, mas obstruiu minha passagem com uma atitude suspeita em relação ao conteúdo da sua mochila.
Nesse momento o acusado jurou que era vontuntário da cruz vermelha, que só levava um latão de recolher doações.
Quando o guarda abriu a mochila, realmente só havia a lata da cruz vermelha.
Bom, não havia muito mais a ser feito. O guarda só podia dar voz de prisão se eu confirmasse o assalto e fosse para delegacia. Ou seja, eu teria que ser o juiz daquele pobre diabo. Estava na minha mão a decisão sobre a liberdade de alguém.
Na hora de decidir eu dei uma vacilada. Os curiosos ao verem que eu não estava certo sobre qual decisão tomar, começaram a cuspir seus pensamentos moralistas pra cima de mim:
"-Você merece ser assaltado mesmo. Espero que da próxima vez ele te assalte com arma!"
"-Se você não prende-lo, ele amanhã estará matando um de nós!
Entre outras coisas.
Resolvi acatar e fui a delegacia. Terminei sendo aplaudido.
Resumo da história: Perdi a manhã toda e parte da tarde. O rapaz foi preso sob acusação de furto. Ele não tinha antecedentes criminais.
E...acho que pela primeira vez na história, o assaltado saiu no lucro num assalto. Pois recuperei meus quarenta reais e quando estava saindo da delegacia percebi que ainda tinha em meu bolso, a nota surrada de cinco reais do assaltante. Ou seja fui assaltado em 40 reais e saí com 45 reais!

Volto a dizer, tem coisas que só acontecem comigo e com o botafogo!

Ps: dois meses depois, recebi uma intimação para o julgamento. Resolvi não aparecer, pois assim por falta de provas ele seria liberado. Dessa vez, não fui hostilizado!

5 de março de 2009

Transportes Coletivos no Rio de Janeiro: Viva o lucro, Foda-se o povo!

Todos já estão cansados de ouvir que o nosso transporte público é horroroso, caótico, dominado por empresários mafiosos, etc, etc...
Pensemos no metrô: desde que ocorreu a privatização, houve a ampliação tanto na zona sul quanto em direção a baixada fluminense, fora a integração via ônibus expresso. Tudo isso acarretou um aumento expressivo do número de frenquentadores diários desse transporte. Segundo estatísticas do próprio metrô, antes da ampliação circulavam diariamente 80 mil pessoas, hoje, mais de 200 mil pessoas todos os dias. O preço da passagem não para de aumentar, porém, quantos carros novos a empresa que administra o metrô colocou para nossa disposição? Nenhum. Ou seja, lucros exorbitantes e respeito zero com o cidadão. E nós, povo dócil, despreocupados, com muitas coisas pra fazer da vida, aceitamos voltar pacificamente para casa, como sardinhas enlatadas, muitas vezes esperando dois ou três trens pra conseguir entrar dependendo da estação, tamanha a lotação. Fora que o ar condicionado, obviamente nesse calor infernal, não dá vazão.


Passando para o ônibus. Ou melhor, antes, analisando a mentalidade do empresário brasileiro, aquela mescla da mentalidade oligárquica com empreendedor terceiro mundista , que nunca soube o que é interesse público, e obviamente só pensa no lucro a custa do bem estar da população e ainda conta com aval do prefeito e do governador que tem rabo preso com eles. Acabo tendo que concordar com meu amigo Thiago que diz que ao Brasil faltou um Napoleão!
Enfim, a situação dos ônibus do rio de janeiro é a seguite: Eles estão diminuindo o tamanho dos ônibus, obviamente não são altruístas ao ponto de fazerem isso pensando no humilde cidadão carioca, mas sim para implementar uma reestruturação que promove a demissão dos trocadores, sobrecarrega os motoristas, que passam a acumular duas funções e aumentam consequentemente os lucros. Assim como o metrô, o número de ônibus não aumenta. Logo, o cidadão como eu e você, dependentes de ônibus para ir para casa, paga caro, fica numa situação extremamente incômoda esperando o motorista sobrecarregado dar seu troco, balançando pra lá e pra cá. Depois, vai em pé, num ônibus superlotado, num calor insuportável. No meu caso, que dependo da linha 234, a situação é pior. Pois este ônibus custa 2,80, pois alega-se que subir o alto da boa vista sobrecarrega e ainda por cima tem ar-condicionado. Só que eu pago 2,80, o ar não dá vazão, eu não consigo sequer ultrapassar a roleta de tão cheio que está, mas vida que segue. Está tudo normal.

Quando morei no Porto em Portugal, na primeira reforma nos ônibus, que diga-se de passagem é municipal e acarretou numa piora significativa, houve greve de passageiros e eles foram obrigados a retroceder. Na França, jamais aceitariam algo do gênero. Mas aqui, pode-se tudo. Viva o lucro, foda-se o povo.

ps: Essa raiva é justificada porque além de ter enfrentado um ônibus lotado num calor infernal, ainda fui obrigado a escutar um babaca ouvindo mp3 no celular nas alturas tocando o acústico da Ana Carolina. Aí dá vontade de se matar!


15 Dias....

2 de março de 2009

Quarta Feira de Cinzas

Publicado por João Paulo Cuenca no Jornal O Globo no dia 14 de fevereiro de 2008

Carnaval já passou

Queria escrever uma crônica para os que passaram um carnaval triste. Para os que acordaram na quarta-feira cinzenta, sozinhos outra vez, com gosto de semana passada na boca. Para os que, inicialmente tímidos e depois desesperados, viram seu amor-próprio desmoronar à medida da seqüência inevitável de rejeições, de tocos, de não-me-toques, de olhares gélidos lançados pelas colombinas, indiazinhas, diabinhas e bailarinas.

Uma crônica para o exército de reserva dos tamborins, para os coadjuvantes fora de quadro, para os que perseguiram o encontro e, mesmo abandonando o que conheciam por critério, acabaram a folia com um zero a zero estampado no placar e na testa. Para todas as moças que se perfumaram e fantasiaram, e dançaram com samba no pé, e distribuíram olhares, e viraram o pescoço, e imaginaram tanto… E nenhum único vem cá meu bem. E nada.
Escrever uma crônica dedicada aos pierrôs que descobriram seus amores nas mãos do alheio, a boca aberta em outra, fazendo gargarejo com suas lágrimas. A todos os que flagraram a desejada beijando lividamente um anônimo arlequim, entre centenas de corpos em movimento, sob uma tempestade de confetes e a batucada acelerada de um bloco que, a partir dali, ganhará um sentido de vertigem insuportável. Uma crônica aos que sofreram as insídias do amor durante o carnaval nublado, e que tudo viram com olhos metafísicos, numa percepção aguda da realidade que o latão de cerveja quente jamais vai mitigar.

Aos bêbados que choraram confissões às sombras nas paredes. Aos que lamberam a calçada, beijaram o poste, abraçaram o gelo-baiano. Às mulheres que por aí esqueceram calcinhas e partes irrecuperáveis de si. Aos foliões reflexivos que, no meio do refrão, pararam e se perguntaram: “afinal, o que diabos estou fazendo aqui?” Ao ritimista que atravessou, levou um pescotapa do mestre e foi expulso da bateria no meio do desfile. Aos que se sentem distantes de tudo, mesmo no meio de uma muvuca atroz no Terreirão do Samba da Praça Onze. Aos que foram barrados na porta do camarote da cervejaria. Às passistas de corpo esculpido carregando as flechas de tantos olhares sabendo que nenhum, nenhum deles, realmente a quer de verdade – pois elas, como todas as mulheres, são outras que nenhum, nenhum deles, jamais conhecerá.
Aos melancólicos senhores e senhoras com os cotovelos apoiados nas janelas de Laranjeiras, a quem o carnaval faz lembrar certa pureza esquecida, de bailes em Paquetá, de lança-perfumes e marchinhas de uma cidade que não mais existe – de uma vida que se aproxima do fim. Aos persistentes infelizes por vocação que lotaram salas refrigeradas de cinema, livrarias e cafés tentando fingir que o carnaval não existiu.

Uma crônica que faça uma homenagem aos rebaixados na passarela, que preste tributo aos que tiveram o samba derrotado, que dê consolo aos turistas que foram assaltados e esculachados na cidade maravilha. Um alento aos fracos que desistiram da multidão do Bola, que tiveram medo da Rio Branco noturna do Cacique, que afrouxaram a garganta no único momento que poderia lhes salvar do carnaval triste. Uma crônica que tire um pouco do peso daqueles para quem o término do carnaval é sinônimo de nada mais restar, é caldo de fim de feira às margens do precipício, é tristeza e medo pelo que virá no resto do ano. Porque o ano, depois do carnaval, é resto. É o pouco que sobra.

Acabou, e sempre acaba cedo demais, chega rápido o último dia. Depois, só no ano que vem. Já acabou: as cinzas de quarta-feira caem sobre nossa última dança. Os ambulantes arrastam seus carrinhos, as baterias recolhem suas peças, o eco das notas do samba derradeiro flutua sobre nós. Sob o grave de um surdo solitário, acaba o carnaval. Já limpam as ruas, os carros já vêm. Calam os subúrbios escuros. Calam as avenidas fechadas. Calamos nós. Acabou. Logo amanhece, e já não seremos mais quem fomos. Como agora, sem carnaval, vamos nos justificar? E até o próximo, o que será de nós?
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