Vanguarda que em francês quer dizer avant-garde foi durante muito tempo, em especial durante o alto modernismo, a forma como correntes artísticas promoviam seus manifestos, com o intuito de subverter a experiência, chocar o estabelecido, enfim, desterritorializar o território repressivo. Porém, cabe a pergunta: Alguma coisa hoje ainda é capaz de chocar? Ou ainda: A vanguarda morreu?
Malevitch, Quadrado branco sobre fundo branco, 1918
O ano de 68, com a eclosão dos movimentos em diversas partes do mundo contestando o modelo disciplinar centralizador dos estados fez surgir uma nova potência subversiva, que alterava a relação público-privada, e o mais importante, rompeu com a moral moderna, essencialmente binária, que girava entre o bem e o mal. Essa nova forma de subversão quase nitzschiana, que buscava novas formas de liberdade pode ser considerada a última experiência vanguardista da história? A linearidade temporal, ou seja, a idéia de que a vida tem objetivos futuros e conseqüentemente devires históricos tem origem na tradição messiânica judaica.
Seguido pelo cristianismo, a linearidade ganha contornos mais terrenos, já que a interferência divina na vida dos homens já teria acontecido, com a vinda de Jesus. Na seqüência da história, a modernidade rompe com o mito, funda-se sobre o pensamento científico, destrói a metafísica e passa a pregar a transcendência futura, não mais no plano abstrato e sim no plano concreto, na própria terra. A modernidade, e isso não é novidade, promove uma enorme revolução, que não teria sobrevivido sem uma revolução política que consolida a dominação do Estado sobre a humanidade. É preciso observar que o Estado durante toda a modernidade ocupou papel central na estruturação das sociedades, adaptando a moral cristã do bem e do mal para um modelo de obediência as leis garantidas por normas. A arte sempre teve um papel combativo durante a modernidade, e como dito anteriormente, o alto modernismo foi talvez o seu apogeu crítico. Porém, o seu alvo era um inimigo fixo, local, pesado, o portador da moral a ser rompida pelas pulsões subjetivas, ou seja, o Estado. Porém, após maio de 68, o Estado cedeu a sua centralidade para o mercado que é, diga-se de passagem, essencialmente amoral, sem planos, móvel, fluido, onipresente, flexível, tecnológico, etc... Qual o lugar das vanguardas, quando os seus inimigos não têm planos, está anarquicamente sempre a sua frente, amparado pela tecnologia e pela mídia? Como desterritorializar o que já está desterritorializado? Como fazer planos futuros quando não existe futuro? Como subverter no tempo e no espaço um sistema que não mais precisa percorrer o espaço e que despreza o tempo por ser instantâneo? Pensem no personagem memorável do último Coringa estrelado brilhantemente por Heath Ledger (obviamente sem um juízo moral de valor). Ele diz: A polícia faz planos, o judiciário faz planos, a máfia faz planos, o estado faz planos, mas eu não faço planos, eu sou o caos, eu só quero fazer tudo explodir. Atrevo-me a dizer que o coringa é a figura emblemática da contemporaneidade, porque para além do bem e do mal, ele representa a nova forma de controle, a nova condição humana, sem planos, sem limites, sem moral.
Como combate-la? Como existir vanguarda? Como estar a sua frente a partir do momento em que ela funda o eterno presente e chuta para escanteio a linearidade histórica? Como ser único diante do relativismo paralisante? Como estar à frente quando as tendências convivem sem choques? Como ter objetivos diante de uma lógica que não tem sentido? O pós-modernismo enquanto lógica do capitalismo tardio, por não conseguir se antecipar será sempre uma negação e não uma criação? Será que não temos como fugir das tecnologias de controle, quando nós, e não mais os vigias e capatazes, passamos a ser os agentes do controle, controlando nós mesmos e os outros?
Não pretendo com esse texto oferecer respostas alentadoras, mas também nenhuma validade ou algo conclusivo. Tudo são hipóteses que levanto. Vale a pena pensar sobre isso, pois soa um tanto desesperador!
Postado por Guilherme