29 de outubro de 2009

Tarde Noite

Acordou em meio a uma tarde noite. Desnorteado, sentou-se na cama esfregando as mãos contra o rosto, buscando afastar o sono que restava em seus olhos. Levantou-se trôpego, seus pés ainda dormiam, formigavam enquanto caminhava em direção a única luz acesa. Era uma pequena luz de santa, uma luz azul, que iluminava a varanda perto da sala de estar. Todo o resto da casa permanecia em uma espécie de penumbra, um lusco fusco crepuscular típico do outono. Não era tarde nem noite.

Incomodou-se com aquele alaranjado de fim de tarde. Odiava os fins de tarde. Nesta hora do dia lhe invadiam os pensamentos mais profundos.Era nesta hora do dia, que tomado pela melancolia, sentia o passar das horas, o passar dos dias. Sentou-se no sofá ainda atordoado, pôs mãos sobre a cabeça, tentando achar alguma explicação para a situação em que se encontrava.

Incomodou-se com silêncio daquele fim de tarde.Odiava aquela calmaria. O silêncio produzia o pior dos ruídos.Na ausência de vozes, estava condenado a ouvir sua própria voz. Temia sua própria voz, temia a voz afônica que ressoava em seus pensamentos.

O vento promovia o balé das cortinas, anunciando uma tempestade no horizonte. Ele sorriu, sempre gostou das tempestades. Do caos que prometia um céu repentinamente tomado por nuvens carregadas de angústia e dor.

Era inexplicável o silêncio que tomava o ambiente. Estava a um passo da rua e só ouvia o reclamar dos trovões. Para onde será que todos foram? Mais uma vez, incomodou-se com o crepúsculo, mas não tencionava ligar a luz. Ainda permanecia desnorteado, tentava saber o que se passava?

Parecia fora do tempo, via tudo com outros olhos. Estaria realmente acordado? Parecia suspenso, numa espécie de anticlímax. A letargia permanecia em seu corpo, sim estava acordado e seus olhos encaravam fixamente a parede branca da sala de estar.

Um grande ruído e seus ouvidos agora captavam passos vindos do inicio da rua. As gotas caiam no telhado batendo palmas, o vapor emergia da superfície junto com o cheiro de terra molhada. Uma criança corria da chuva que desabava. Um mar de lágrimas limpava o asfalto por onde passam os carros. Um par de lágrimas escorreu pelo seu rosto pálido.

Ele lembrou das tardes da época do colégio. Das tardes em que sempre dormia fora de hora. Tardes em que submergia sobre sonhos de potência. Dormia para sonhar, pois enquanto dormia não existia.Lembrou que dormia porque nada era.Lembrou-se porque voltara a dormir fora de hora. Ele o nada em nada mudara.

27 de outubro de 2009

Tempos de Mudança

Muitas vezes é necessário mudar para poder continuar. Os leitores assíduos deste blog (existem?) talvez tenham notado que as postagens estão cada vez mais raras. Posso lhes afiançar que não é por falta de assunto. Talvez nem falta de inspiração, pois lhes garanto que o exercício de critica é praticado diariamente por esses dois saqueadores de vento que lhes escrevem. Falta é saco! Isso mesmo.Nos últimos tempos, fomos tomados por uma espécie de fastio, enjôo, tédio, com toda a situação instaurada no mundo a nossa volta. Nos parece que apesar das mudanças cada vez mais radicais que transformam velhas estruturas sociais em matérias de livros de história, que apesar da constante revolução que a vida pós-moderna, hipermoderna e futuramente quem sabe trans humana nos impele a cada momento, estamos tomados por uma pasmaceira, uma carga absoluta de lodo que insiste em retornar não importando quantas vezes o retiremos.

Essa incapacidade, ou melhor, essa falta de paciência com a realidade construída me empurrou para o mundo da ficção. Eu (Thiago) nos últimos tempos tenho me dedicado muito mais ao campo da literatura do que dos jornais ou livros sociológicos. Portanto fica muito difícil pensar em um tema e sintetiza-lo em um texto critico, como vinha fazendo nesses 14 meses de Ecos Dissonantes.

Buscando dar vazão e ao mesmo tempo buscando motivação para escrever e me dedicar a ficção, pensei em criar um novo blog , porém após algumas conversas meu amigo e co-autor deste blog, percebi que já tem blog demais no mundo, informação demais circulando nesta hiper-realidade que domina nossas vidas. Então decidi que postaria meus textos “literários”, aqui mesmo, no Ecos Dissonantes, esperando que tenha a mesma aceitação que os outros, que tenha comentários e críticas, pois de certa forma a prática da dissonância também passa ficção.

Então simplificando, agora sempre que eu postar algum texto meu, ficcional, ele será “assinado”, constará um postado por Thiago Penna. Eles terão apenas três marcadores, literatura, prosa e poesia., A principio o Guilherme continuará postando como Saqueador de Vento, eu mesmo com certeza continuarei, vez por outra postando sobre outros assuntos também com esse pseudônimo, mantendo nossa brincadeira de não assinar o texto. Espero que vocês gostem. Para inaugurar essa nova fase , nada melhor do que um video maravilhoso e perturbador de um dos meus maiores ídolos.

Mestre Fernando Sabino


20 de outubro de 2009

Dicas (2)

Nas dicas que dei no post anterior esqueci do principal. Scream & Yell é um dos melhores sites sobre cultura pop na internet. Editado pelo excelente jornalista Marcelo Costa ele não cansa se me surpreender em seus textos. Segue ai um aperitivo. A crítica do último lançamento da cantora baiana Pitty.

“Chiaroscuro”, Pitty (Deck Disc)
Em seu terceiro álbum de estúdio, a rainha dos emos e emas tenta corajosamente escapar do arquétipo de rock burro que marcou seus discos anteriores, e não consegue. “Chiaroscuro” é um placebo de rock. Há peso no som, mas não há perigo. As guitarras tentam ser sujas, mas ficam ruminando como vacas no pasto dois dedos abaixo da voz limpa que brada mensagens de auto-ajuda (”Não espere, levante”), pés na bunda e crises adolescentes. Se alguma dupla sertaneja aparecer cantando “Me Adora”, não estranhe.
Nota: 3

14 de outubro de 2009

Dicas

Algumas dicas para navegar neste ciberespaço


Cronópios , ótimo site de cultura com artigos sobre variados temas.

um ótimo blog, com uma idéia genial, realiza o que nós por vezes fazemos aqui que é falar mal da classemérdia brasileira

Classe média way of life

O blog super badalado da Ivana Arruda Leite, uma das escritoras de destaque da literatura brasileira contemporânea

Doidivana

Os últimos lançamentos, críticas e fofocas literárias. Já virou celebridade em Portugal. Todos tentam descobrir sua verdadeira identidade.

Senhor Palomar

E se você estiver de saco cheio de ler e ler, de um tempo na leitura neste lindo blog que retrata quadros e fotos, inclusive de escritores famosos fazendo sabe o que? Lendo

O silêncio dos livros

5 de outubro de 2009

VMB 09 - Um Show de Horrores e a morte da Diversidade

Motivado pelo ótimo e fértil debate suscitado na última postagem a respeito do cenário musical contemporâneo, resolvi escrever sobre o show de horrores apresentado pela eme te vê na apresentação de seu prêmio anual.

Disseram que foi uma premiação democrática, pois atenderam a todos os estilos musicais, passando até pelo melhor twitter, vencido pelo "formador de opinião" Marcos Mion, que não se conteve e caiu em lágrimas!

O que percebi, pelo contrário, foi uma enorme homogenização.
A música popular brasileira é na minha opinião a segunda mais importante do século XX, porém, muitos sustentam que é a maior. Primeiro ou segundo lugar, o importante é que sua marca sempre foi a criatividade, o improviso, o estilo livre e a diversidade.

Se os americanos tiveram Gershwin, nós tivemos Villa-Lobos, se eles inventaram o jazz, o blues e o rock n roll, nós inventamos o samba, o choro, o baião, a bossa nova, a tropicália o mangue beach. Cartola, Noel, Jacob do Bandolin, Pixinguinha, Tom, Vinícius, Chico, Caetano, Gil, Mutantes, Raul, Chico Science,etc...

O que tantos artistas tinham em comum? Tinham em comum a diferença. Inventividade, criatividade, fazer a arte girar e evoluir, apresentar a diversidade cultural e a sofisticação de uma sociedade pluri-étnica numa explosão de estilos refinados.

Predominava um forte apelo ao particular para poder se tornar universal. A boa e velha dialética. Ser particular para ser universal.
A literatura nos ensinou. Joyce é universal por ser particular, por falar da sua cidade, Dublin. Dostoiveski idem. Só estando na arcaica Russia, poderia-se escrever "Humilhados e Ofendidos". E os exemplos são infinitos. Machado de Assis, o cronista de seu país e de seu tempo.
Na Música idem. Em 1972 Caetano lança um album seminal. "Transa". Suas faixas misturam um inglês subvertido pela musicalidade e cadência elíptica do português e um português bem característico e embalado por uma poesia com forte apelo a emoção e a memória de um povo. " Eu vim lá da Bahia (...) meu pai dormia em cama e minha mãe no pisador", ou seja o particular e o universal. A musica americana e Santo Amaro.

Hoje, vendo o VMB, sinto-me entristecido por ter uma cultura tão rica e diversa transformada numa mesmice ao sabor da indústria do entretenimento. O que adianta varias premiações para varios estilos se no fundo tudo é uma porcaria?! Uma banda dos sonhos que toca em inglês!! Todos iguais, nos discursos, na vestimenta, na atitude.

Todos os nossos gênios sabiam de onde vinham. Sabiam do seu particular. E por isso tornaram-se universais. Compartilhavam uma memória sobre um povo. Nós, filhos de uma geração perdida, não sabemos de onde viemos e nem sabemos para onde vamos. NÃO SOMOS PARTICULARES E NEM SOMOS UNIVERSAIS. Vivemos na contingência, onde tudo não passa de uma grande bufonaria! Fazemos infinitas variações sobre o nada. Não inovamos. Repetimos.

Dedico esse texto a Mercedes Sosa, que cantou como ninguém o folclore de seu povo e denunciou a opressão das ditaduras na América do Sul. Uma particular que morreu sabendo quem era, ou seja, uma universal.

Mercedes Sosa - 9/07/1935 - + 4/10/2009 +