Incomodou-se com aquele alaranjado de fim de tarde. Odiava os fins de tarde. Nesta hora do dia lhe invadiam os pensamentos mais profundos.Era nesta hora do dia, que tomado pela melancolia, sentia o passar das horas, o passar dos dias. Sentou-se no sofá ainda atordoado, pôs mãos sobre a cabeça, tentando achar alguma explicação para a situação em que se encontrava.
Incomodou-se com silêncio daquele fim de tarde.Odiava aquela calmaria. O silêncio produzia o pior dos ruídos.Na ausência de vozes, estava condenado a ouvir sua própria voz. Temia sua própria voz, temia a voz afônica que ressoava em seus pensamentos.
O vento promovia o balé das cortinas, anunciando uma tempestade no horizonte. Ele sorriu, sempre gostou das tempestades. Do caos que prometia um céu repentinamente tomado por nuvens carregadas de angústia e dor.
Era inexplicável o silêncio que tomava o ambiente. Estava a um passo da rua e só ouvia o reclamar dos trovões. Para onde será que todos foram? Mais uma vez, incomodou-se com o crepúsculo, mas não tencionava ligar a luz. Ainda permanecia desnorteado, tentava saber o que se passava?
Parecia fora do tempo, via tudo com outros olhos. Estaria realmente acordado? Parecia suspenso, numa espécie de anticlímax. A letargia permanecia em seu corpo, sim estava acordado e seus olhos encaravam fixamente a parede branca da sala de estar.
Um grande ruído e seus ouvidos agora captavam passos vindos do inicio da rua. As gotas caiam no telhado batendo palmas, o vapor emergia da superfície junto com o cheiro de terra molhada. Uma criança corria da chuva que desabava. Um mar de lágrimas limpava o asfalto por onde passam os carros. Um par de lágrimas escorreu pelo seu rosto pálido.
Ele lembrou das tardes da época do colégio. Das tardes em que sempre dormia fora de hora. Tardes em que submergia sobre sonhos de potência. Dormia para sonhar, pois enquanto dormia não existia.Lembrou que dormia porque nada era.Lembrou-se porque voltara a dormir fora de hora. Ele o nada em nada mudara.