24 de maio de 2010

Íntimo e Pessoal


Cat Power adentra suavemente no palco do circo voador na lapa carioca ,numa agradável noite de sexta feira 21 de março. Sente se o frenesi e o nervosismo de uma plateia emocionada . De inicio logo vem um petardo, Don´t Explain de Billie Holliday, flashes pipocam de todos os lados. Quem conhece Cat Power já se acostumou com seu jeito particular de cantar, ela geme, sussurra, parece que a música sai com dificuldade. E essa é a verdade,seja em suas composições próprias seja em suas versões, nada ali é frio, calculista ou pragmático. Charlyn Marie Marshall, Chan Marshall, Cat Power, não são apenas três faces de uma mesma moeda, são a prova de um longo processo de desconstrução de uma artista em busca do essencial. Ela canta suas dores, seus desamores, seus dessabores de forma intima e pessoal, . O palco do Circo Voador se mostra o lugar perfeito para seus shows, a simbiose com a plateia é total, estão todos confortaveis com a escuridão do palco, todos entregues e prontos para ouvir os suspiros da artista, a noite segue em ritmo de catarse.

Acompanhada de uma banda minimalista dessa vez, Cat se entrega de corpo e alma em cada música, em cada nota, em cada movimento. O primeiro grande momento da noite vem logo na terceira música, a dramática Woman Left Lonely de Janis Joplin. Uma mulher eternamente solitária, pensando em seu homem, seu antigo amor, seu algoz. No fim Cat parece nos mandar um recado com essa música, “She’s got to do the best that she can”, e todos nós naquela plateia hipnotizados, vemos uma artista integral, se doando ao máximo.
Algumas músicas depois veio o segundo grande momento do show. Ouve-se a introdução de Metal Heart, sua composição mais celebrada. É sem dúvida sua música mais doida, Cat se convence e tenta nos convencer, de que não adianta, pois nos sofredores costumeiros estaremos sempre condenados ao fracasso, a insignificância, pois nunca nada bastará. Ela e nós somos anjos caídos, que entendemos a peso que pode ser o fato de simplesmente viver.

Metal Heart é a primeira de uma sequencia antológica, em seguida vem Sea of love, a mais simples e bela balada de amor que conheço. A vontade é de chorar, mas Cat não deixa, ela me hipnotiza, olha nos meus olhos, estamos os dois e todo o circo com os olhos encharcados. Ela estende as mãos e todos nós embarcamos na onda mágica que toma conta do Circo Voador. Logo em seguida vem a animada e swingada The Greatest, um breve sopro de ar em meio a tanta emoção e sofrimento. As músicas seguem, lentamente, uma a uma, a plateia já está ganha, sempre esteve, a catarse por fim termina com uma versão curta de Angelitos Negros e I´Dont Blame You. Cat se despede, agradece, distribui flores brancas para a platéia perfumando o ambiente e como sempre se desculpa.

Desculpa talvez por ter nos expostos a um canto tormentoso, a lamentos íntimos e pessoais. Mas não nos importamos, pois ao fim, todos temos a certeza de que poucos artistas são tao verdadeiros quanto Cat Power. Ao fim todos percebemos que aquelas horas ali não serão facilmente descartadas, agora existe uma especie de permanência, onde a voz rouca de Chan Marshall sussurrará em nossos ouvidos por algum tempo e sua imagem , uma gata tímida e arisca ao mesmo tempo, contorcida ali no canto do palco povoará nossas memorias nos lembrando das horas mágicas compartilhadas numa agradável e inesquecível noite de sexta-feira.