14 de dezembro de 2008

Meia entrada/ Meia Verdade

No governo FHC, o monopólio da emissão das carteiras estudantis, pertencentes a UNE e a Ubes foi quebrado com o intuito de democratizar o acesso do estudante à carteirinha, e obviamente de neutralizar uma instituição de oposição ao governo, mas isso não vem ao caso. A emissão da identificação de estudante ficou a cargo do toda e qualquer “instituição de ensino”. A questão é que hoje o que se vê é uma profusão de carteirinhas falsas ou de instituições ditas educacionais que emitem carteiras à vontade, aumentando consideravelmente o numero de “estudantes” neste país analfabeto. A conseqüência imediata deste cenário é que os “empresários culturais” imediatamente elevaram seus preços alegando que em diversas ocasiões até setenta por cento da bilheteria, por exemplo, de uma peça de teatro era vendida como meia-entrada. Isto afetava o balanço financeiro da produção.Obviamente criou-se um circulo vicioso.

Com o ingresso mais caro, todos procuram uma carteira de estudante, com mais carteiras, mas caros ficam os ingressos, e chegamos a situação de o ingresso para um show, por exemplo, custar o dobro do preço real, e os empresários afirmarem na cara de pau que o preço da meia-entrada na verdade é o preço do ingresso inteiro. A verdadeira questão que se esconde sob o debate se deve ou não ter meia-entrada, se se deve limitar ou impor cotas é a questão do acesso aa cultura. A meia -entrada serve para proporcionar ao estudante e ao idoso não nos esqueçamos deles, um melhor e mais diversificado acesso ao que é produzido culturalmente no Brasil. Cultura (arte), é educação. Na tão propalada sociedade da informação, o acesso mais democrático a cultura é fundamental para o desenvolvimento e manutenção da própria democracia.

Para mim, não há dúvida. A meia-entrada inflaciona os preços dos espetáculos musicais, peças de teatro e sessões de cinema. E também não há duvidas, que o empresariado, usa a meia-entrada como álibi para ganhar (ainda) mais. Afinal, o preço dobrou, nada eles perderam. Perdas sim houve nas Companhias de Teatro que contam com a bilheteria para manter um espetáculo. Perdas existem nos cinemas onde o preço do ingresso é um dos fatores (e não o único) para a dramática falta de público. Uma casa de espetáculo patrocinada por uma poderosa empresa de telefonia, ou mesmo festival cujo nome é de uma das maiores empresas da internet creio eu não perdeu nada com a meia-entrada.

O verdadeiro perdedor é o cidadão comum, não estudante, maioria neste país, que devido ao elevado custo do ingresso não pode assistir a uma peça de teatro, e prefere esperar para ver aquele filme interessante no DVD. Muitas vezes pirata, devido ao alto preço do produto (também culpam a pirataria por isso).

A solução é voltar a ter um único emissor das carteiras, melhor inclusive que seja o ministério da educação, através das secretarias municipais, por exemplo. A UNE como instituição estudantil possui interesses políticos e não seria justo com os estudantes que não concordam com suas diretrizes financiar a suas ações. A adoção de cotas durante o fim de semana também é uma boa solução, mas com ressalvas, quem fiscalizara? Como saberemos se as cotas realmente foram preenchidas?

A regulamentação da meia-entrada serve principalmente para acabar com o álibi dos empresários, sem meia, quem eles irão culpar pelos altos preços?
Isto me lembra o momento que o Radiohead lançou o In Rainbows na internet. O fã poderia pagar quanto quisesse, inclusive pegar de graça.O mais importante desta atitude para mim foi por em xeque a constituição do preço de um produto, principalmente um produto artístico. Diga-me você qual o valor justo do cinema? , qual o valor justo do teatro? Quanto você pagaria para ver uma peça do Miguel Falabella? E um show do Belo?

Este artigo foi o que mais deu trabalho neste blog. Foram duas semanas de discussões e leituras. Muitas questões ficaram de fora, e quem quiser levanta-las, fiquem à vontade para comentar. È um tema polêmico, mas não poderíamos nos furtar deste debate.

Abaixo, o projeto da senadora Marisa Serrano (PSDB-MS), aprovado na Comissão de Educação do Senado, que está em tramite no Congresso Nacional
.
A meia entrada (50% do valor do ingresso) fica assegurada para estudantes e idosos (a partir de 60 anos) em salas de cinemas, cineclubes, teatros, museus, centros culturais, parques e reservas naturais, espetáculos musicais, circenses, eventos educativos, esportivos, de lazer e entretenimento.

. Impõe cota de 40% de meia entrada por espetáculo. Quando a cota for atingida, estudantes e idosos que estiverem na fila pagam entrada cheia.

. Restringe a emissão da carteira de estudante, que passa a ser controlada pelo Conselho Nacional de Fiscalização, Controle e Regulamentação da Meia Entrada e da Identificação Estudantil, vinculada à Secretaria Geral da Presidência da República.

. O conselho, que terá composição paritária, vai definir a quem competirá a impressão, provavelmente Casa da Moeda, e a permissão para emitir, provavelmente a UNE e a UBES, como no passado.

. Ficam de fora do benefício os cursinhos de inglês e pré-vestibular, os cursos alternativos, como astrologia ou eubiose e os de duração efêmera.

. A meia-entrada também não se aplica a camarotes, áreas e cadeiras especiais.

9 de dezembro de 2008

O Capitalismo Catástrofe




Um dos grandes erros dos economistas que ainda defendem o modelo liberal ou até mesmo os que acreditam no keynesianismo é não saber analisar o que seria uma crise estrutural.


Se pensarmos em termos de crise, logo nos lembraremos da crise de 29 e da superação desta por parte da intervenção estatal, o que ocorreu nos EUA através no New Deal e na Europa com o Estado de bem-estar depois da Segunda Guerra. Porém, para aqueles que ainda acreditam num possível acordo entre Capital e Trabalho mediado pelo Estado, é preciso mostrar que desde a crise do petróleo, da ascensão do neoliberalismo e da revolução tecnológica, o capitalismo entrou numa crise estrutural, tornando o desemprego crônico. Mas o que isso quer dizer? Quer dizer que as contradições são cumulativas convivendo com crises sistêmicas cíclicas, formando uma espécie de bola de neve, pois suas vítimas não conseguem ser re-inseridas no sistema, ao contrário da crise de 29. E porquê ocorreu em 29? Primeiramente porque o capitalismo vivia o boom da industrialização, absorvendo muita mão-de-obra para trabalhar nas fábricas seguindo o modelo taylorista-fordista. Segundo, porque não podemos omitir o fato de que duas guerras mundiais foram responsáveis por dizimar milhões de vidas em idade produtiva, fazendo com que aqueles que restaram pudessem ser incorporados, sem muita sobra. Em terceiro lugar, a tecnologia ainda não era de ponta, e não estava causando a substituição da mão-de-obra humana de maneira desenfreada como ocorre hoje. Portanto, nos dias de hoje o desemprego que atinge níveis altíssimos, encontra um sistema em processo de desindustrialização, substituição desenfreada de homens por máquinas, além da população viver mais e exigir do estado mais gastos com previdência social.


Resumo da ópera: a crise atual está jogando milhões no desemprego, estes se somam aos milhões que foram vítimas da reestruturação produtiva dos últimos trinta anos de neoliberalismo, além disso, a ciência baseada no progresso ilimitado promove a longevidade da espécie humana e paradoxalmente promove o desemprego ao acabar com postos de trabalho em todo mundo, e para fechar, o meio ambiente já não tolera mais um alto índice de consumo, bem elucidado no exemplo de que se a África toda consumisse como o ocidente consome, seriam necessárias cinco terras para depositar o lixo.

Logo resta a conclusão de que o capitalismo hoje depende de uma catástrofe para poder perpetuar-se por mais um tempo no poder! Isso é trágico e as pessoas precisam se movimentar. Os sintomas estão no ar e o mal-estar já é visível. Esperar para ver o que vai acontecer pode gerar uma mutação para pior.




Na Grécia conflitos estão ocorrendo, reverberando no mundo inteiro, e não se trata só da morte de um jovem anarquista de 15 anos, mas sim de uma síntese de múltiplos fatores que envolvem diversos atores sociais. O interessante nesse fato que está acontecendo na Grécia é que é a primeira grande manifestação pós-crise financeira. E este movimento é um sinal do que serão as manifestações do século XXI, cuja vanguarda é sem dúvida os movimentos anarquistas antiglobalização, que se conectam pela rede e conseguem através dela mobilizar mega manifestações em todo o mundo!



7 de dezembro de 2008

Brasil: Um país de malas


O campeonato brasileiro de futebol deste ano, que termina no dia de hoje, não foi um primor de qualidade técnica. Porém não podemos dizer que foi um campeonato entediante. Em sua última rodada, dois times lutam pelo titulo, e quatro times lutam para não serem rebaixados. Emoção não faltou durante todo o ano. Parte da emoção vem do sistema de pontos corridos (quem fizer mais pontos ganha), há muito tempo introduzido na Europa e somente há alguns anos no Brasil.

Os críticos dizem que falta o chame e a emoção de uma final, que este tipo de campeonato proporciona a oportunidade um time disparar na liderança e tornar o resto do campeonato uma disputa sem validade alguma. Porém os defensores argumentam, que a fórmula de disputa é mais justa, pois o time que fizer mais pontos vence, e a mais adequada, pois obriga os clubes a ser organizarem e se planejarem, questão importante, pois impede administrações irresponsáveis e também aumenta o poder de barganha dos clubes brasileiros nas negociações dos nossos jovens talentos para o futebol europeu. Pois bem. Meu interesse não é decidir qual a melhor fórmula, e sim analisar um fato.

No sistema atual, todo jogo é fundamental, o titulo pode ser decidido na primeira rodada, ou naquela derrota em casa jogando contra a lanterna. Com a proximidade do fim do campeonato algumas posições de consolidam, alguns times não possuem chances de chegar ao titulo e não correm riscos contra o rebaixamento. È neste ponto que me causa espanto como a nossa ética (ou falta) está cada vez mais dilatada. Como já disse, todos os resultados, direta ou indiretamente são importantes. Como aceitar que seu time entre com o time reserva só porque nada mais está em jogo? Com o Mineirão lotado com seus fanáticos torcedores o Atlético Mineiro pouco fez para sair do empate de zero a zero com o Santos. Foi vaiado pela própria torcida. O Botafogo, na reta final do campeonato, acumula derrotas seguidas, seus jogadores demonstram total desinteresse, e eu pergunto como fica a honra deste clube outrora conhecido como o Glorioso?

Ser jogador de futebol é o sonho de grande parte dos brasileiros. Jogar futebol é a profissão e obrigação dos jogadores. Quando você veste a camisa de um clube você não apenas mexe com a emoção de milhares de pessoas, como você possui uma responsabilidade histórica com um uniforme que com certeza está carregado de história. Jogo é jogo, não importa se vale ou não vale o campeonato. Perder sempre será uma decepção.

Este campeonato possui uma grande qualidade. Caso você ao longo do campeonato não faça a sua parte conquistando os pontos que necessita seu destino inevitavelmente estará nas mãos dos outros times. E como se não bastasse a falta de respeito com o torcedor, com esta profusão de times mistos, jogadores desmotivados e etc, tristemente assistimos aos episódios das malas. A preta e a branca. A mala preta seria uma compensação financeira dada a um time que entregasse o jogo, que perdesse. A mala branca seria um incentivo para que um determinado time ganhasse.

Em comum as duas têm a definição de serem um ato de corrupção. As rodadas finais do campeonato brasileiro têm sido marcadas por uma boataria nunca antes vista, malas voando por todo o território nacional. Esta prática sempre foi realizada por aqui, não só no futebol, na política, não só temos malas, como também dinheiro na cueca. Porém a formula de disputa jogou luz sobre a escuridão, são diversos jogos com interesses conflitantes e a falta de ética transborda também sobre esta paixão nacional. Então eu pergunto. O quanto nossa ética é maleável? Você concordaria que seu time usasse o recurso da mala para definir seu destino? Você aceitaria que seu time recebesse dinheiro para definir um resultado?

1 de dezembro de 2008

Diário de Viagem 2 - Sob o Céu de Bucareste


Nos dias de hoje, ir para um outro país sem ter tudo planejado nos mínimos detalhes é quase impensável. As pessoas se preparam com meses de antecedência, coletando informação de tudo que é possível saber, para tentar reduzir as possibilidades de erro à quase zero. Você seria classificado de minimamente irresponsável se tentasse o contrário. Pois bem, no dia 25 de maio de 2007, eu e minha companheira de viagem estávamos sentados na poltrona de um avião, vendo lá do alto as luzes disformes de uma Bucareste completamente estranha para nós. Pois não era apenas falta de alguns detalhes que nós não tínhamos, na verdade nós não tínhamos nada. Primeiramente, não sabíamos se conseguiríamos trocar euros pela moeda local, que não fazíamos idéia qual era. Segundo, não sabia aonde passaríamos a noite, pois não fizemos reservas e nem pesquisamos muitas opções. Na verdade, tínhamos apenas um nome em mente, uma tal de Vila 11, mas não sabíamos a localização, se tinha vaga, etc...Em terceiro lugar, não sabíamos nem sequer se nos deixariam entrar no país, pois não sabíamos nada, não tínhamos nada nos bolsos.



Não sabíamos nem se precisava de visto. Qualquer pergunta sobre nossas intenções na Romênia não teriam respostas satisfatórias! Para tornar nossa viagem mais complicada, não sabíamos o que era a Romênia. Não tínhamos visto fotos, não sabíamos o que tinha de interessante lá. Claro, alguma coisa obviamente nós sabíamos. Mas dá pra contar nos dedos. Vejamos. Sabíamos que durante muito tempo foi governada a mão de ferro pelo sanguinário ditador Ceausescu, que foi assassinado em 91 culminando no fim do regime comunista romeno paralelamente ao colapso da URSS. Sabia também que a Transilvânia era a terra do Conde Drácula, que influenciou a famosa obra literária de Stoker. E ponto. Ou melhor, eu sabia, que Hagi, Popescu, Dumitrescu, Raduciou, Ilie, Lupescu eram jogadores da seleção de futebol de 94 que acabou com a Argentina na Copa do Mundo dos EUA e que o Dínamo Bucareste era o time da capital. Fora isso, mais nada.
Pois bem, quando o piloto anunciou que era hora de apertar o cinto, pois estávamos nos preparando para pousar em Bucareste, nos olhamos e um sentimento de vazio absoluto, de medo do desconhecido, resumido em uma palavra "ferrou" tomou conta de nós. O aeroporto era pequeno, no vôo, apenas romenos. Eu ficava o tempo inteiro me perguntando o que eles iriam pensar se soubessem que nesse vôo tinham dois brasileiros completamente perdidos chegando no seu país.




E é a partir do momento em que descemos em solo romeno, que o surrealismo passa a imperar como gênero narrativo de nossa viagem. Ou talvez um realismo fantástico a lá Garcia Márquez.
Desembarcamos quando já era noite em Bucareste, a temperatura estava elevada, pois já estava começando o verão. Quando chegamos no controle de fronteiras, a famosa alfândega, meu estômago embrulhou de vez. Eu só pensava: "Vão nos mandar embora, não vão nos deixar passar!" Quando faltava apenas uma pessoa para minha vez, minha mão tremia. O controlador falou numa língua impronunciável que era a minha vez. Caminhei, passaporte na mão. Lentamente lhe entreguei o "verdinho", ele olhou, franziu as sobrancelhas, me olhou, olhou a foto, voltou a me olhar e de repente disse num sotaque perfeito: Brasileiro? Legal pode passar, bem vindo à Romênia! Eu não tive reação. Fiquei pasmo! Deu-me vontade de abraça-lo! Pensei comigo mesmo, “bom, entrar nós entramos e o cara ainda por cima é brasileiro ou morou no Brasil! Tive curiosidade de perguntar, mas para quê prolongar quando a situação já lhe está pra lá de favorável? Segui reto, esperei minha companheira e partimos rumo ao segundo desafio”.
Segundo passo. Trocar o dinheiro. No aeroporto havia apenas uma casa de câmbio. Uma senhora muito simpática nos atendeu. Não pediu nada, não perguntou nada. Apenas dei os euros, ela me deu os LEU (se pronuncia "LEI"). Segundo obstáculo ultrapassado. Estava mole. Próximo passo: Arrumar um táxi e ir para esse tal de Vila 11. Ah! Já ia esquecendo, outra coisa que eu sabia, ou melhor, me disseram, era que taxista na Romênia era igual ao Brasil, adeptos da malandragem! Entramos no saguão de desembarque e logo uma enxurrada de taxistas veio em cima da gente, todos falando em romeno, achando que éramos nativos. Até que um, mais isolado, perguntou numa voz calma se hablávamos español? Si si, um poquito. Fomos com ele. Perguntamos se conhecia o Vila 11. Ele disse que sim. Fomos conversando ao longo do caminho, ele nos mostrou alguns pontos da cidade quando passamos pelo centro. Bucareste nos pareceu a princípio uma cidade grande, arborizada, com um Arco do Triunfo igual ao de Paris. Em pouco tempo percebi que estávamos indo para uma área mais popular da cidade. De repente me vejo num lugar muito parecido com o Andaraí (aonde moro no rio de janeiro). Ruas escuras, casas antigas, ninguém na rua.





O táxi pára e o motorista diz: Hasta pruento! Seu espanhol perfeito era porque havia morado em Barcelona por 15 anos. Quando vi, estava de frente a uma casa muito antiga e em cima estava escrito, Vila 11! O motorista nos ajudou com a mala, entrou conosco e fez a reserva para nós, o que nos facilitou muito. A corrida deu baratinha, algo em torno de três euros. Deixamos uma gorjeta e subimos para o quarto. Vila 11 era uma casa-hostel, de família judaica, muito simples, pouca decoração, duas camas, um ventilador portátil, um banheiro minúsculo, mas na altura do campeonato, cansados, mas vivos, tudo o que queríamos era tomar banho e dormir, deixando qualquer decisão para o dia seguinte. Porém, a fome estava intensa, tivemos que sair para comprar comida. Andamos pelas ruas escuras do Andaraí Romeno até encontrarmos um posto. Compramos algumas coisas para comer, refrigerante e voltamos à Vila 11. (Continua na próxima semana!)

ps: Andaraí é um bairro da zona norte do Rio de Janeiro, que outrora já teve seus dias de glória e hoje convive com o abandono.