26 de novembro de 2008

Gramsci católico! E daí?

Estava pensando em algo para escrever neste blog, quando ouvi de longe, pois a tv estava ligada na sala, a voz nauseante do William Wack, dizendo que o marxista italiano Antônio Gramsci teria morrido abraçado a imagem de uma santa, o que supostamente lhe vincularia a uma possível conversão do ateísmo comunista para um catolicismo, tão contrário ao materialismo dialético e a inversão em relação ao idealismo.
Acredito não ser uma bomba, como Waack anunciou, pois em primeiro lugar, todo o ocorrido tem apenas uma testemunha, um padre. Segundo, se isso for verdade, não altera em nada o grande teórico que Gramsci foi, influenciando o movimento comunista em todo mundo, principalmente na discussão sobre influência no campo superestrutural da cultura, rompendo com o economicismo da vertente vulgar de um marxismo alinhado a Stalin e ao pacto de varsóvia! Em terceiro lugar, em nenhum momento, a religião e o marxismo tendem a se anular completamente. A grande questão é não se utilizar da metafísica para tentar explicar o movimento do real, que é histórico e material.
O principal a ser discutido é que a insegurança em relação a morte, ainda mais num contexto tão perverso quanto o que Gramsci teve de viver, é uma insegurança ontológica da epécie humana, piorada num momento de aumento brutal da irracionalidade do nazi-fascismo. E ninguém menos que Kral Marx detectou isso, na famosa passagem de A Crítica a Filosofia do Direito de Hegel, em que coloca que "a religião é o ópio do povo", mas completa dizendo que é a necessidade espiritual num mundo que mata o espírito.

3 comentários:

Anônimo disse...

Porra, quando vc vai aprender a editar esses posts?
"A grande questão é não se utilizar da metafísica para tentar explicar o movimento do real, que é histórico e material."
Bonito isso...tá virando poeta ou filosofo?

Sacripanta disse...

Não ouvi essa do Váqui não...

Lendo isso, me lembrei de uma história que um professor (Syllas, um velhinho muito gente boa) gostava de contar...

Era uma vez, na Roma de César, uma mulher considerada liberal para seu tempo. Liberal em todos os sentidos, tanto por seus valores morais (sexuais) quanto por sua proeminência política (nada de excepcional, mas, se considerados os limites das mulheres naquele tempo, ela era muito "avançada"). Não me lembro o nome dela, mas isso não importa.

E eis que ocorreu um incidente (não me lembro qual), e ela teve que ir ao tribunal, mas como vítima. [corta para cena 2]


Havia, na Roma de César, um fantástico orador: Cícero. Ele era o maior orador de seu tempo. Decerto ele não contava com o discurso apaixonado de Demóstenes, que falava diretamente ao coração dos atenienses e que foi capaz de fazer renascer nos combalidos espíritos gregos a grandeza da glória de outrora. Atenas sublevou-se contra a Macedônia e quase -quase- foi vitoriosa. Foi a última centelha de grandeza, antes da Grécia mergulhar num sono parecido com o dos faraós do Antigo Egito, de forma que ela agora vive em sonhos. Mas eu falava de Cícero, que talvez não tocasse tão apaixonadamente os corações dos compatriotas romanos, mas que possuía uma fala encantadora. Habilíssimo mestre da retórica e do convencimento, as palavras de Cícero dobravam a realidade e os corações dos homens.

Mas suas palavras melífluas e encantadoras carregavam um rasgo de veneno, que escorria no canto de sua boca e acertavam em cheio suas vítimas. Como a serpente dos romanos, encarnada em Senador de Roma. [vai para cena 3: o tribunal]


[e aqui encontraremos o motivo de tão longa explanação]

Como eu disse, a protagonista sem nome era vítima. O caso parecia de fácil resolução, mas eis que entra em cena Cícero. Nosso orador de sandálias não faz uma única menção ao incidente ocorrido. Ao invés disso, ele faz considerações sobre a moral e os costumes da ré sem nome. O tiro de Cícero é certeiro, de vítima ela passa a culpada, e o julgamento do caso marca a saída de nossa protagonista do cenário político romano. Ainda que grandes figuras provavelmente tenham continuado a encontrá-la e visitá-la, nenhum documento mais fala dela.

Sacripanta disse...

Moral da história: o Ocidente não se esqueceu da lição de Cícero, de forma que a maneira mais eficaz de destruir a imagem de alguém é misturar o mais que puder as diferentes "máscaras" de cada um.


Lembro-me do Che Guevara, cujas últimas biografias têm ganhado espaço na mídia. A proposta de mostrar a verdadeira face do "herói" tem sido levada a sério. Agora sabemos que ele não tinha nada deherói romântico. Ele usava dois rolex! Ele era mal-humorado, egoísta, matava companheiros e morreu de uma morte banal. Que herói é este que comove a juventude? É esse o símbolo de liberdade que queremos?

No caso do Antônio Gramsci, dá-se a mesma coisa: tenta-se desfazer um mito, dando-lhe contornos reais, tranformando-o de herói em pessoa comum. E a associação entre Gramsci e a religião é certeira, pois é colocada como se, ao "converter-se", ele traísse todo o seu trabalho anterior e que, a despeito de tudo o que possa dizer, é comunista, portanto, condenável e assassino. Ao renegar o materialismo pagão, Gramsci converteu-se não só ao catolicismo, mas ao capitalismo.


São, sem sombra de dúvidas, tentativas rasas, como as investidas de Cícero. Mas demonstram que ainda não sabemos fazer a distinção entre casa e rua, ou indivíduo e autor. Nos apegamos ainda a uma espécie de unidade ontológica que simplesmente não existe: Aristóteles já nos tinha contado isso, quando dizia que o bom cidadão difere do bom indivíduo. Todavia, a mania de julgarmos os outros baseados nessa "unidade moral", persiste.